Quando planejei essa viagem, além de querer aprender e me conhecer, o objetivo era também compartilhar a intensidade das experiências para inspirar a mudança nas pessoas! Mas muitos questionam que mudança é essa.
A sociedade nos moldes de hoje funciona apenas para aqueles que têm o conforto psicológico do poder de escolher o que querem, enquanto muitos sequer têm esse poder de escolha. A mudança que precisamos é plantar uma semente na consciência de todos que têm esse poder, para que saibam que são responsáveis pelos outros que não o tem e que a igualdade de oportunidades é possível sim. Os poderosos precisam deixar de ser cúmplices e deixar de acreditar que não podem fazer nada para resolver os problemas dos outros, para assim perceberem que são parte ativa dessa mudança. Mas como?
Acredito que precisamos começar pelo básico, praticando mais empatia, respeito e se importando com o próximo de verdade. Ter apenas simpatia por alguém não é suficiente, porque precisamos querer participar mesmo da transformação e não só concordar que existe um problema, compreender que “ah, é complicado né…” e não fazer absolutamente nada. Essa desigualdade sócio-emocional criou barreiras psicológicas gigantes entre classes sociais e preconceitos grotescos que nos fazem parecer raças diferentes no dia-a-dia. Quantas pessoas você conhece que nem olham para o garçom e dizem “por favor”? Quantas vezes você já viu alguém nem dizer “obrigado” para o vendedor? São pequenos gestos de falta de educação social que passaram a ser normais.
Esse poder está diretamente relacionado com acessos, como à educação, à saúde, à moradia, ao respeito e a viver com dignidade. Existe uma escala desses privilégios onde os que estão no topo têm mais poder para escolher à vontade e à medida que o poder diminui as opções de escolha se afunilam. Essa linha decrescente chega a um ponto em que pessoas só podem comer às vezes, não têm água potável, nunca vão à escola e não têm cuidados médicos. Tudo isso porque o desenvolvimento não chegou até eles.
Como sabemos, essa distribuição tem um formato piramidal, onde os mais poderosos são poucos e os menos poderosos são muitos. Podemos criar infinitas teorias para entender como chegamos a essa realidade desigual, mas como o passado é imutável temos que focar em mudar o hoje e precisamos nos preocupar em resolvê-la.
Durante esta viagem, me deparei com inúmeras situações em que me senti desconfortável por achar que alguém não me tratou com respeito, porém, depois de um tempo entendi que não é justo reagir com essa sensação. Porque? Se todos nós precisamos ser ensinados sobre como devemos nos relacionar nos formatos sociais de hoje, como pode ser correto esperarmos que todos se tratem “educadamente” se tem tanta gente que não pôde ser educada, alguns nem mesmo por pais presentes, dispostos a criar e ensinar.
Um desses exemplos que vivi foi com um motorista de taxi-bicicleta no Vietnã que me cobrou o dobro do preço normal. Como posso julgar que ele agiu de má fé e foi desrespeitoso, se a única escola da vida que ele teve acesso o ensinou que turistas têm dinheiro de sobra e é muito correto que paguem mais. Segundo o que aprendi na minha escola não consigo aceitar isso e acho incorreto porque me sinto enganado, mas o que é mais injusto?
Até ai me parecem compreensíveis essas situações em razão dessas diferenças, mas e no caso de poderosos que tiveram educação, acesso a tudo e o poder de escolha, mas mesmo assim não conseguem ser educados, justos e usar o respeito no dia-a-dia? Qual seria a justificativa? Eu não sei essa resposta, mas um ego poderoso se torna muito perigoso e acredito que é ele quem tem criado essas barreiras sociais que nos distanciam tanto.
O fator comum com grande parte dessa responsabilidade é o dinheiro. Ele tem a praticidade inegável de ser a nossa principal moeda de troca, mas o poder que é conferido a quem o acumula mais nos tornou apaixonados por ele.
Com essa possibilidade de “ter” passamos a acreditar que esse é o caminho da felicidade, liberdade e futuro garantido. Pode até fazer sentido, mas esse pensamento é injusto e egoísta porque não são todos que têm igualmente essa oportunidade de escolha. Se houvesse esse equilíbrio a ganância por ser mais rico seria apenas um tipo de sonho dentre muitos e tudo bem, cada um com o seu.
Só que precisamos ser justos. O mérito que muitos acreditam ter conquistado para fazerem o que quiser com o seu poder financeiro é um merecimento restrito e desigual. Pode ser legítimo gozar da recompensa de muito trabalho, mas e pra quem isso é inalcançável? Se um profissional de sucesso (segundo o padrão atual) que nasceu numa família com boas condições sócio-financeiras nascesse numa família com quase nenhum dinheiro, entre dez irmãos, numa zona rural de um país em guerra civil, suas chances de ter esse mesmo sucesso seriam minúsculas. Sejamos realistas, é um fato. Assim, se faz necessário desfrutar desse mérito com a consciência de que não parece justo não fazer nada para contribuir para que todos tenham essas mesmas chances.
Hoje, a maioria (dentro da minoria) dos que têm essas opções ao seu alcance ainda está apenas tolerando essa desigualdade, pois acham que não podem fazer nada. Inclusive porque é mais fácil ignorar e continuar vivendo ao lado do comodismo confortável e de suas outras preocupações como progredir no trabalho, comprar um celular novo, ir aos melhores restaurantes, etc… O problema é que, na verdade, são exatamente eles que têm também o poder da mudança e essa semente da consciência, que mencionei no começo, precisa gerar frutos.
Essa aceitação é ainda mais injusta, porque esses que têm pouco poder são os que prestam serviços todos os dias aos que têm mais poder. Nos países extremamente desiguais, como o Brasil, são eles que permitem que os poderosos vivam com todas as mordomias que querem. Afinal, como o arroz chega ao prato no jantar, a roupa nova no armário foi feita e a casa é limpa toda semana? É uma relação interdependente onde a maioria das pessoas trabalha com pouquíssimo valor para tornar isso possível e nem assim é devidamente reconhecida.
Esses poderosos não são só os cem mais bilionários do mundo, são todos aqueles que conseguiram ter dinheiro e podem escolher onde morar, o que comer, o que comprar, aonde ir e o que fazer, como eu. Não to tirando onda, é só pra seguir o raciocínio… Esses que têm pouco poder não são apenas os refugiados que não têm nem um pedaço de terra pra chamar de pátria, são todos aqueles que têm escolhas limitadas e são reféns da primeira oportunidade de trabalho que tiveram, independentemente de terem um salário justo e seus direitos respeitados.
É um ciclo vicioso que não terminará da forma como está, pois quem tem bastante poder continuará acumulando mais e quem tem pouco continuará tentando ter mais, a todo custo. Mas de novo, como fazer pra mudar o que está acontecendo?
Estando consciente da sua função social para diminuir essa desigualdade e se sentindo motivado por essa responsabilidade. Isso começa pelo trabalho, se preocupando verdadeiramente com o bem estar dos seus funcionários ao prezar pela qualidade de vida e sendo justo com os seus clientes. Também por pequenos gestos como um sorriso e um “obrigado” mais frequente. Outra forma extremamente simples é destinar parte da renda ou do tempo para ajudar (que seja 0,1% de um deles). Pode ser uma doação para uma organização que admire ou se dedicar num trabalho voluntário uma vez por mês por uma hora. Cada um pode encontrar a sua forma de contribuir, de acordo com as suas preocupações e interesses do bem.
Para empoderar a todos precisamos contribuir para que existam mais oportunidades. Pequenas decisões do cotidiano podem ajudar, como preferir consumir de uma empresa socialmente responsável que investe na sua comunidade ao invés de uma global que já foi autuada por trabalho forçado. Ou então comprar um produto orgânico de um negócio que usa práticas de “fair trade” ao invés de uma mundial que usa pesticidas proibidos em outros países. (Se não conhece o conceito de fair trade, vale ler mais.) Só pra dar exemplos, sem mencionar nomes…
Um detalhe importantíssimo é que precisamos extinguir da cabeça que somos apenas uma formiguinha dentre os bilhões e uma decisãozinha do que comprar pra comer sozinho numa tarde de 2ª feira não vai mudar nada… Mas cada ato, por mais minúsculo que seja, tem o poder de servir de exemplo e propagar. Se todos acreditarmos nisso e sermos fieis aos nossos princípios, ondas de mudança gigantescas se formarão. Por exemplo, se ninguém mais comprar grãos transgênicos com pesticidas, a indústria obrigatoriamente mudará seu produto e assim por diante. Isso é conscientização. Ao contrário disso, se continuarmos sem acreditar perpetuaremos os mesmos erros, vícios e sofrimentos.
Nessa etapa de autoconhecimento muitas vezes se busca autodesculpas para se livrar dessa obrigação social, como “ah, faz parte, não posso fazer nada” ou “ah, todo mundo tem que trabalhar pra ganhar o seu dinheiro” ou “não tenho tempo”. Mas todos nós temos total responsabilidade pela nossa função social. Chegamos ao ponto em que a maioria não se importa e escolhe não enxergar a realidade.
A missão que precisamos cumprir é a de conseguir dar o poder de escolha a quem não tem. Não se trata de ser mais rico, mas da simples chance de escolher, como morar num local limpo, ter água, comer algo que gosta e poder estudar para aprender.
É uma desigualdade de poder e de amor, mas como “o que os olhos veem o coração sente” podemos enxergar e mudar.
Para encontrar organizações o site Atados tem uma base de dados com mais de 340 ONGs. É facílimo encontrar várias que goste e entrar em contato.
Esse vídeo incrível compartilhado pela BuzzFeed mostra muito bem essa barreira de privilégios. É rápido.
Felipe.
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