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Experiência #11 - Kasama, Zâmbia


Ah, a Zâmbia…


Foram tantas inspirações e momentos marcantes que fica até difícil tentar colocar tudo no papel.


Nos últimos dois posts o Fe contou sobre as nossas experiências nas fazendas orgânicas e na casa da família Kasonde, na zona rural de Kasama. Foi intenso e valioso! Mas não parou por ai.

Chegando em Kasama nos encontramos com Claire Albrecht, uma havaiana de olhos azuis e abraço apertado, que há alguns anos esteve pela primeira vez na Zâmbia como voluntária em comunidades rurais. Foi quando conheceu Justin Hostetter, um nova-iorquino que também participava do projeto, se apaixonaram e resolveram seguir juntos dali em diante.


Em 2009, quando Claire ainda morava em Nkole Mfumu, uma vila próxima a Kasama, ela recebeu a visita de seu pai, William Albrecht, que se sensibilizou com as dificuldades enfrentadas por aquelas pessoas. Foi quando resolveram, juntos, se mobilizar para reduzir um dos problemas que mais os incomodava: ver meninas longe da escola.


Eles notaram que muitas das crianças não podiam frequentar a escola porque tinham que caminhar longas distâncias, não tinham dinheiro para pagar as taxas escolares ou simplesmente porque tinham que trabalhar para complementar a renda da família. E dentre todos esses obstáculos, as garotas ainda enfrentavam outro em particular: lutar pela igualdade de gênero. Isso porque, para a maioria das famílias que vive em zonas rurais, quando sobra um dinheiro para pagar as taxas escolares, os filhos homens sempre têm prioridade, pois acreditam que os meninos terão mais condições de conseguir bons empregos no futuro e as meninas estão mais adaptadas às tarefas domésticas. O resultado disso são milhões de meninas longe da escola e presas em uma vida que não lhes oferece nenhuma perspectiva de melhora.


De acordo com a UNICEF, estima-se hoje que 65 milhões de meninas não frequentam a escola.

Para mudar esse cenário, Claire e seu pai passaram a financiar à distância o estudo de algumas das garotas de Nkole Mfumu e viram que era possível contribuir significativamente para a formação delas. Nasce o Bakashana (cujo primeiro nome era Kasama Micro Grants – KMG), uma organização sem fins lucrativos, cujo objetivo principal é levantar fundos que permitam arcar com os custos necessários para manter meninas na escola.


Passados alguns anos, Claire percebeu que apenas financiar os estudos poderia não ser suficiente para dar àquelas meninas novas e melhores oportunidades. Invariavelmente, quando se formavam da escola, acabavam voltando para as tarefas de casa.


Foi quando, Claire e Justin resolveram retornar para a Zâmbia e acompanhar de perto a formação dessas meninas. Hoje eles estão construindo uma casa em uma vila próxima a Kasama para receber pessoas do mundo todo que se interessem em conhecer o trabalho incrível que desenvolvem por lá. E enquanto a casa não fica pronta, se hospedam na casa da família Chileshe, que tem o coração tão grande que acolheu a gente por algumas noites também. Não é a toa que o Bakashana tem como cofundador Christopher Chileshe, que por ser homem, pai de família e zambiano desempenha o papel fundamental de articular a comunidade para que mais atenção seja dirigida ao tema.



A partir dai, o Bakashana ganhou força e agora, muito mais do que financiar os estudos, também empodera as meninas por meio de acompanhamento emocional, planejamento de carreira, workshops de artesanato, aulas sobre direitos humanos, micro finanças, computação, empreendedorismo e métodos contraceptivos.


Claro que certos temas apresentados às garotas, como a prevenção de doenças sexualmente transmissíveis e uso de preservativos, ainda não são abertamente discutidos na região, onde a influência da religião e dos costumes tradicionais é intimidadora. Ainda assim, Claire o faz e prova que esse tipo de informação às meninas dá a elas a chance de fazerem escolhas mais conscientes. Quando perguntamos à ela se já é possível enxergar algum impacto causado pelo Bakashana, a resposta foi “Nenhuma das meninas está grávida até agora. Isso já é um grande avanço.”


Uma das inspirações que motivou Claire a pensar e criar o Bakashana foi a história de uma jovem menina, Christine Chileshe, de olhar forte e sorriso tímido (ela não é da mesma família do Sr. Christopher! Esse é um sobrenome bastante comum na Zâmbia). Há alguns anos atrás, Christine caminhava diariamente cerca de treze quilômetros para chegar à escola. Claro que ainda faltavam os outros treze pra voltar pra casa. Se não bastasse, ela se levantava às 5 horas da manhã, para dar tempo de lavar a louça e preparar o almoço para toda a família. Isso tudo antes mesmo de enfrentar a maratona até à escola. Quando chegava em casa de volta, ainda tinha que preparar o jantar. Ela era a primeira a acordar e a última a dormir.


Christine passou a ser uma das beneficiárias do Bakashana, para que tivesse a chance de concluir os estudos em meio a todas as dificuldades. Hoje Christine, aos 18 anos, já está formada, trabalha no Bakashana e é o braço direito da Claire. Na conversa que tivemos com ela, perguntamos se ela gostaria de ir à universidade e pudemos sentir a convicção com a qual nos respondeu dizendo que em breve pretende se tornar contadora. Isso nos prova o quão valioso é investir em educação. Além disso, ela ainda já é capaz contribuir diretamente para que as crianças da família estejam devidamente matriculadas na escola.


Outra grande inspiração foi conversar com a jovem Ceciliah Lesho, que nos recebeu radiante em sua calça jeans, colares e maquiagem, coisas não muito comuns por aqui. Ela nos contava com leveza e propriedade sobre o quão importante é investir na educação de meninas, quando a voz embargou e a leveza deu lugar a uma força indescritível. Há alguns anos, Ceciliah foi estuprada – o que é bastante comum em zonas rurais da África – e ela afirma que poder frequentar a escola na época foi o que lhe deu forças para pensar sobre outras coisas que não fossem ligadas ao sofrimento que ela viveu.



Milhões de meninas e mulheres são estupradas todos os anos e quase nunca há punição do culpado – ou culpados. Em alguns países da África e da Ásia, até 7 em cada 10 meninas sofrem algum tipo de violência, como estupro, abuso ou mutilação (fonte: CARE).


O estupro é uma das causas que mantém as meninas longe da escola, pois as famílias têm medo que elas percorram longas distâncias sozinhas e acabem se tornando vítimas. Quando acontece, elas se tornam estigmatizadas e acabam marginalizadas pela família e pela vizinhança, porque passam a ser consideradas impróprias para o casamento.


Dai se forma um ciclo negativo, pois sem acesso à informação, as meninas desconhecem seus direitos e não se sentem seguras para lutar contra esses absurdos. Longe da escola, só lhes resta aceitar passivamente o que parece ter sido destinado a elas.


Por outro lado, para os mais céticos, há estudos que comprovam que educar uma menina gera um ciclo virtuoso e muito valioso para a sociedade. Uma criança cuja mãe teve a chance de frequentar a escola tem 50% a mais de chances de sobreviver depois dos 5 anos de idade (fonte: CARE). Isso porque, uma mãe alfabetizada e com acesso a informação tem muito mais condições de investir em higiene, saúde e alimentação para os filhos, livrando-os da morte precoce por subnutrição, cólera ou diarréia. Além disso, quase sempre é a mulher que se encarrega de cuidar da casa e dos filhos e quando tem informação e educação suficientes é capaz de investir com mais consciência no estudo das crianças e em pequenos comércios que possam gerar renda pra família.


Enfim, eu poderia ficar aqui horas falando sobre o porque eu acredito que investir na educacão de meninas merece a atenção especial de todos, mas como estamos apenas no começo da viagem espero que aos poucos eu consiga convencer dessa importância trazendo histórias reais como a da Tariro, que conhecemos no Zimbábue, da Christine e da Ceciliah.



A educação é o único caminho para a prosperidade. Frequentar a escola, principalmente nas regiões que estamos conhecendo, é a chave para um futuro longe da miséria e mais perto da abundância. Para as meninas então, a escola é a ferramenta que lhes dá o poder de conhecer e desejar oportunidades que não se resumam ao casamento e à gravidez. Uma menina educada pode fazer escolhas. Por si, por sua família e por sua comunidade.


E finalmente, constatei que ao lado de uma grande mulher sempre existe um grande homem, que a incentiva, apoia, inspira e compartilha da mesma luta. A participação efetiva e assertiva dos homens é fundamental para alcançarmos a verdadeira igualdade de gêneros e caminharmos rumo a uma sociedade inclusiva, ativa e consciente. Foi assim com a Claire, que teve o suporte do seu pai e do Justin para fundar e gerir o Bakashana. E tem sido assim comigo, com meu pai sendo um dos maiores apoiadores de todas as minhas ideias, principalmente a do Think Twice Brasil, e com o Fe, que é o meu melhor amigo, incentivador e companheiro de vida e de causas.

Claire, Justin e Bakashana, vocês têm TODA a minha admiração!!! Estamos juntos pela mesma luta e espero que surjam cada vez mais corações abertos para se juntarem a nós.


O Bakashana aceita quaisquer doações pelo site e ainda dá pra escolher patrocinar integralmente os estudos de uma garota clicando aqui!


Que tal pensar em uma menina que você ama e dedicar a ela uma doação que transforme definitivamente a vida de outra menina? Simples assim.


E seguimos mudando o nosso mundo. E um pouquinho do das outras pessoas também.


Gabi.

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