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Experiência #13 - Bwawani, Tanzânia


Crianças! A importância da educação para elas já faz parte do senso comum e é uma prioridade para o mundo, não é? Que bom! Porém, com tudo que está acontecendo eu vejo essa priorização como fictícia e conhecer de perto comunidades rurais na África elevou, significativamente, a importância dessa educação elementar no meu entendimento.


Para aprender dessa vez, tivemos a preciosa oportunidade de conhecer um projeto em Bwawani, próximo a Dar es Salaam, a principal cidade da Tanzânia. Através da rede WWOOF (que já falamos e agradecemos anteriormente) conhecemos o gentil Sr. Remmigius Raphael, um tanzaniano muito esclarecido, que transmite credibilidade e está super conectado. Você entenderá mais porque tantas qualidades.


Quando trabalhava na prefeitura de outra cidade, Remmy sentiu seu coração dizer que ele precisava fazer algo mais por pessoas desprivilegiadas e para melhorar a comunidade. Nesse momento teve coragem para decidir que queria dedicar seus recursos e energia para tanto, e mudou de vida com a família para uma área rural onde fundou o Ngerengere River Eco Camp.



O que mais nos impressionou desde o início é que fica cada vez mais claro que um agente de mudança precisa ser capaz de abstrair barreiras e ir atrás do seu propósito com determinação. Foi assim que ele começou em 2003, educando famílias cujas crianças sofriam de subnutrição. O problema nesses casos não se tratava de recursos, na maioria das vezes (que alegria), mas sim da falta de conscientização de como variar os nutrientes tem um papel fundamental no desenvolvimento das crianças. Ele ensinava o poder de misturar mais grãos nas refeições assim acabando com a subnutrição. É incrível pensar como a vontade e a ação de uma pessoa podem influenciar decisivamente a saúde de dezenas de crianças.


A confiança de que era possível e a certeza da sua missão, foi o que tornou tudo real. Seu dom de formar redes de amigos e sua capacidade de estar em contato com a comunidade por uma causa me inspiraram muito. Remmy começou pela conscientização das pessoas e nos repetiu algumas vezes que não foi fácil provar sua intenção genuína. Foi muito demorado para conquistar o acolhimento da comunidade e convencer que seu papel ali seria apenas de um líder servidor para o bem deles. Ele chegou a passar por situações, nos vilarejos, onde pessoas se mostraram hostis duvidando da idoneidade das suas intenções.


Depois de muita conversa, apresentações e inúmeras ligações, ele teve a concessão de alguns hectares de terra para o projeto. Um dos objetivos principais é disseminar a importância do desenvolvimento sustentável para as famílias e para o meio ambiente. Atividades centenárias como a produção de tijolos, carvão e queimadas são muito comuns e até hoje acontecem, como uma forma de renda. Ele confessou que transformar a mente de pessoas que fazem a mesma coisa há tantas décadas ainda é difícil. É o famoso problema do senso comum inquestionável…



Precisamente esse princípio da conscientização é o que eu mais admiro por acreditar no potencial de começar a transição aos poucos, um a um. A forma que ele encontrou foi começando por pequenos grupos, tornando as pessoas cientes da importância de mudar alguns hábitos para seu próprio bem. Isso as torna naturalmente parte da mudança e propagadoras de ideias. Imagine o poder disso para mudarmos tudo o que sabemos que está errado, mas muitas vezes nem tentamos por preguiça, medo, comodismo, dentre outras auto-desculpinhas…


Um caso conhecido que tenho como grande referência disso, sem entrarmos na discussão capitalismo x socialismo, foi a campanha de conscientização à alfabetização em Cuba em 1961, após a revolução. Em apenas um ano, essa iniciativa do governo para conscientizar a população da importância de educar a todos elevou a taxa de alfabetização de 76% a 96%. – Tem um documentário recente sobre isso chamado Maestra. – Hoje ela é de 99.8%, segundo o World Factbook. No livro El Pensamiento Economico de Ernesto Che Guevara (do autor Carlos Tablada), é contada a forma incisiva como o hermano Che, que participou ativamente da revolução, abordava especificamente isso. É repetido diversas vezes que na sua visão e na de Fidel obviamente, a transformação é gerada quando o povo tem ciência da causa e faz parte do movimento.


Vale lembrar que no Brasil hoje, estamos em 2014, essa taxa ainda é de 90% (segundo a mesma fonte acima)… Sem falar do triste analfabetismo funcional. Ah, mas o Brasil é grande, tem mais gente, é blá blá blá… desculpas escapatórias, sempre temos… E em 1961 não tinha nem internet hein, se bem que lá em terras dos irmãos Castro quase não tem ainda, mas por opção…


Além da parte do projeto focada na sustentabilidade como o plantio para reflorestamento, o Ngerengere River Eco Camp também ensina agricultura nas escolas, constrói poços artesanais, consegue bicicletas para as crianças e desenvolve a profissionalização de mães viúvas. Haja atividade!


Logo que chegamos lá ficamos felizmente impactados com a estrutura que têm, principalmente para os voluntários. Claro que o banho frio de caneca já era esperado. Não é à toa a capacidade do Remmy de fazer amizade ao redor do mundo. Ainda mais felizes ficamos ao ver a grande novidade do projeto. Depois de muito trabalho, ele conseguiu um investimento do bem da Inglaterra para construir a primeira escola comunitária para as duzentas crianças do vilarejo. Ao invés de professores voluntários, cabanas improvisadas e crianças no chão, agora a educação ali será com professores formados e remunerados pelo governo, salas com lousa, mesas, cadeiras e material escolar. Acho que dá pra sentir essa alegria mesmo só lendo, não dá? Aguenta a emoção porque tem muitas imagens disso no vídeo, mas está só no final!!!



De cada experiência que vivemos fica uma conclusão, um aprendizado pessoal de uma conversa, um sorriso e um abraço. Essas situações deixam marcas que causam muitas reflexões. Dá pra imaginar a hiperatividade mental e as emoções no coração! Contudo, essa escola nos deixou algo a mais, porque fomos professores por alguns dias. Muito além da responsabilidade de ensinar, que nos deixou até apreensivos, me impactou a “instrução” que eles dão para os professores voluntários, que inicialmente parecia perdida… Ali, qualquer momento dedicado a ensinar já tem um imenso valor, simplesmente pelo fato dessas crianças não terem acesso a praticamente nada.



Mas o que isso quer dizer? Infelizmente pelo problema ser desde sempre, seus pais também não tiverem a oportunidade de estudar e assim não têm a capacidade de educar seus próprios filhos em casa no dia a dia. É um ciclo familiar muito triste. Um exemplo claro é que mesmo em casos onde existe fácil acesso a água, é muito comum ver crianças com a pele encardida. Outra situação comum que me choca é notar como elas nem mesmo se mexem para espantar uma mosca quando pousa em seu rosto. Podem parecer detalhes, mas para mim é uma prova muito grande do poder de educar e da consequente falta da educação em cadeia para a vida.



Nossa preocupação inicial burocrática com o conteúdo que iríamos ensinar caiu por terra quando percebemos que aquelas crianças precisam aprender de tudo e qualquer aula dada com o coração começa a gerar uma transformação. Nesses momentos a oportunidade que tivemos no passado de aprender a pensar, nos distanciava da realidade e um sistema de ensino bem elaborado não tinha valor nenhum para aqueles poucos dias.


Tendo isso em mente, tentamos apenas brincar de contar até dez e ensinar os números em inglês. – Lembre-se que o idioma era um desafio a mais, pois elas falam apenas swahili, o idioma local. – Depois de algumas horas, sentimos na pele essa falta de educação fundamental. Tentamos brincar de jogo de memória com apenas seis cartas e, mesmo com a ajuda de amigos locais explicando em swahili, conseguimos ver que eles não entendiam uma mecânica tão básica quanto encontrar duas cartas iguais. Acredite, ficamos jogando por um bom tempo apenas para conseguir transmitir esse raciocínio e falhamos.


Querendo ajudar um pouco mais, nós e uma amiga voluntária alemã que conhecemos lá, a Annette Woehrle, compramos alguns materiais escolares para as aulas. Foram folhas de papel, lápis de cor, giz de cera e cadernos de exercício. Primeiro sentimos a alegria no sorriso espontâneo dos pupilos a receber algo novo em suas mãos. Demaissss! Porém, a segunda sensação deixou ainda mais claro que eles não recebem estímulo nenhum, nem mesmo para desenvolver a curiosidade e criatividade. Isso porque, antes de irmos, realizamos uma atividade para eles fazerem desenhos na entrada da nova escola e tivemos uma grande dificuldade. O desafio estava em deixá-los a vontade e se soltarem para apenas pintar um ponto no papel.

A boa notícia é que aos poucos os artistas dentro deles se manifestaram, a atividade se tornou uma grande diversão e todos eles faziam questão de mostrar sua arte ao correr em nossa direção gritando “teacher teacher”. Foi uma sensação indescritível, principalmente quando respondíamos “nzuri” , que lá significa muito bom!!!


Falando da forma carinhosa como éramos tratados, todas as manhãs éramos recebidos com um coral de bom dia dos alunos e a despedida foi cheia de amor nos desejando paz e boa viagem. Uma forma bastante intensa de sentir o efeito da educação feita com amor. Gratidão e realização querido amigo Remmy!



É, o que tiramos de mais positivo disso tudo é que a mudança é gradativa e começar pelo básico do básico pode despertar muitas reações. Pessoas dispostas a se dedicar à educação mudam substancialmente cada pequenina vida e essa é a inspiração que levamos. O que fortalece a esperança é que ele ainda sonha em fazer desse sucesso uma referência para ser compartilhada com outras comunidades para melhorar ainda mais vidas.


É muito maluco por parecer até pouco provável, mas podemos significativamente influenciar a educação social o tempo todo, mesmo com minúsculos atos e palavras. Lembremos que hoje isso vai muito além das crianças, porque todo dia vemos a falta de respeito, de civilidade e a escassez de amor mesmo entre pessoas exaustivamente “educadas”. Isso no trabalho, nas ruas, na televisão, em todos os lugares. Temos que enxergar e começar a mudar, isso depende apenas de cada um de nós. Bora?


Se você quiser contribuir diretamente para esse projeto, clique aqui e saiba mais.


Felipe.

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