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Experiência #35 - Indonésia



Alguns lugares são especialmente cativantes e a Indonésia é um deles.


Uma república cuja população estimada é de mais de 250 milhões de pessoas. Dentre as seis religiões oficiais estão o cristianismo, o budismo, o hinduísmo e o islamismo, que curiosamente convivem em plena harmonia.


A primeira parada foi a cidade de Bandung, que é daquelas que todos recomendam visitar, mas sem saber exatamente o porquê. Foi lá que nossos caminhos se cruzaram com a Manu e o Rapha, o casal brasileiro que fundou a Plot, uma consultoria de viagem especializada em roteiros personalizados.


Nos primeiros cinco minutos de conversa já parecia até amizade de infância e foi com eles que aprendemos muito, matamos a saudade de casa e ainda debatemos sobre a vida, as pessoas e o mundo.



Como em Bandung não tínhamos o contato de nenhum projeto, recorremos ao nosso plano de emergência, que é perguntar aonde podemos compreender verdadeiramente a vida local. Sorte a nossa termos feito essa pergunta justo ao Armadhan, que trabalha no hotel em que estávamos hospedados e nos convidou para um passeio pelo seu bairro. Manu e Rapha se juntaram a nós e foi muito especial tê-los com a gente em mais uma experiência de empatia.


Durante nossa caminhada provamos da comida local, brincamos com as crianças e fomos muito bem recebidos por todos, enquanto o Armadhan nos contava sobre as dificuldades e alegrias de viver por ali. Esse é um exercício fácil de fazer durante as viagens e sempre é muito esclarecedor. O turismo vai muito além de selfies e lugares comuns, é justamente se aprofundar na realidade e praticar a empatia que diferencia o viajante do turista.



De lá seguimos para Yogyakarta, um dos principais centros históricos e culturais do país. Um estado monárquico em que o rei é a principal autoridade política e administrativa.


Esse detalhe é especialmente importante nesse momento, pois contrariando as regras e os costumes, o rei decretou uma nova lei que autoriza sua filha mulher, que é a primogênita, a herdar o trono. Isso tem causado fervor entre a população e aclamação entre os ativistas pela igualdade de gênero. Independentemente das razões políticas dessa decisão, nem preciso dizer que concordo plenamente com o rei e está mais do que na hora desse tipo de discriminação perder lugar no mundo todo.


Foi nessa cidade que tivemos a chance de mergulhar fundo na realidade do país, graças à ViaVia Jogja, uma empresa social que surgiu há mais de vinte anos. Na época, um grupo de amigos belgas já pensava em uma forma diferente de fazer turismo e tendo a Indonésia como uma das portas de entrada pra quem viajava pela Ásia, resolveram fundar uma empresa que valorizasse as experiências do viajante, abordasse o turismo de um ponto de vista consciente e ainda beneficiasse a comunidade local.


Dai nasceu a ViaVia, uma agência de turismo que oferece tours e viagens culturais que permitem uma conexão verdadeira com realidades bastante diferentes. Além disso, como premissa eles praticam o fair trade, cuja tradução livre é “comércio justo”, o que implica cobrar preços justíssimos pelos tours e também pelos produtos locais e artesanais vendidos na lojinha e no café mantidos por eles no mesmo local.


Conversamos com uma das fundadoras e demos muita risada com todo o time que trabalha por lá. Pudemos sentir que todos são conscientes e contentes com o que fazem, espalham gentilezas a todo o momento e valorizam-se uns aos outros.


A primeira experiência foi um tour de bicicleta por um vilarejo. Entendemos a complexidade do processo que faz o arroz chegar à nossa mesa, caminhamos entre as casas e conversamos com as pessoas. Foi uma manhã apaixonante fazendo o que mais gostamos: ouvir novas histórias e aprender com elas.



Depois disso eu me diverti provando e conhecendo mais sobre as medicinas naturais usadas até hoje por boa parte da população. Plantas, folhas, ervas e especiarias cujas combinações criadas por xamãs há centenas de anos ainda são usadas no tratamento de doenças crônicas, câncer e outras tantas patologias. O nome popular dado a esses remédios é Jamu e andando pelo mercado central pude experimentar vários deles.


Ainda tive a chance de visitar uma clínica de Jamu especializada no tratamento de crianças. As mães chegavam com os filhos no colo, explicavam os sintomas para a curandeira e em seguida ela aplicava um emplasto de ervas na testa da criança ou, no pior dos casos, espremia algumas folhas direto na boquinha delas. Me confirmaram que a eficácia é garantida, mas se trata de um processo longo que mistura a crença no poder do Jamu com o uso diário e contínuo.



Eu acredito em tudo que é da natureza, ainda mais combinado com o poder dos nossos pensamentos positivos, por isso até levei uma garrafinha de Jamu pra tomar com o Fe e ajudar na nossa bronquite.


Depois disso eu também fiz uma aula de prata e aprendi a criar meu próprio anel. Mais uma vez percebi o quanto o trabalho manual e artesanal exige delicadeza, dedicação e sensibilidade. Por isso eu valorizo tanto os produtos feitos a mão e que sempre carregam um pouquinho da energia e da história de quem os fez.


Ainda nos aventuramos em um tour de moto pela cidade para aprender mais sobre as diversas religiões que convivem e coexistem juntas sem sombras de desavenças. Visitamos uma igreja católica, um templo budista confucionista, uma mesquita e um templo animalista, que apesar de não ser considerada uma das religiões oficiais, é uma espécie de filosofia de vida praticada por uma boa parte da população.



Mas a experiência que mais nos marcou, como um presente sem igual, foi passar uma noite na casa da Anni, uma jovem mulçumana cheia de sonhos e confiança neles. Fomos na garupa da moto até o vilarejo de Bendo, a cerca de quarenta minutos de Yogyakarta. Chegando lá, ela nos recebeu com um chazinho de boas vindas.


Em um casa antiga e bem ampla, os cômodos eram divididos entre ela, o pai e sua esposa, o irmão mais velho, a cunhada e a sobrinha. Fomos apresentados a eles e muito bem recebidos por todos.


Anni tem 19 anos, frequenta a universidade, trabalha como freelancer na ViaVia Jogja e tem um namorado. Toda essa independência me chamou a atenção logo no início e fiz questão de perguntar se ela fazia parte da média ou da exceção. Não demorou muito para comprovar que ela é uma menina de sorte. Ela mesma nos contou que graças ao seu irmão ela pode estudar em uma faculdade. Isso porque, além de ele ter convencido o pai deles da importância de Anni não interromper os estudos, ele também contribui com os custos da mensalidade.


Se não fosse por ele, talvez Anni fizesse parte do grupo predominante de meninas que são criadas para se casarem e cuidarem da casa, sem que haja qualquer incentivo ou preocupação em valorizar suas habilidades, talentos e sonhos para o futuro.


Como a cereja do bolo, justo na noite em que passamos com ela acontecia a celebração pelo fim do Ramadã, o mês sagrado para os mulçumanos, pois é quando acreditam ter sido revelado o Alcorão. Durante esse período de quarenta dias só é permitido comer antes do amanhecer e depois do anoitecer, passando o dia todo em jejum. Nesse último dia o jejum acaba, as famílias abrem suas casas para receber os amigos e os vizinhos, reúnem-se para rezar juntos e comemoram com música, procissão e muita alegria.



Dentre as formalidades que marcam esse dia, a que mais chamou a minha atenção é o momento de pedir perdão a todos por tudo que pudemos ter feito ao longo do ano. Para tanto, absolutamente todos os membros do vilarejo se reuniram na mesquita em uma fila gigantesca, dividida entre homens e mulheres, e apertaram a mão uns dos outros pedindo perdão pessoalmente. Esse processo levou quase duas horas e eu me diverti com a reação das mulheres que até se assustavam com a minha presença por ali, já que turistas não são nada comuns naquela região.


Demos risada, nos abraçamos, tiramos fotos e nos sentimos carinhosamente acolhidos por todo o vilarejo. Pra minha felicidade, os homens apertavam a minha mão e festejavam a minha presença com a mesma intensidade que o faziam com o Fe, o que nem sempre é comum, e permitido, entre os mulçumanos.



Foi uma experiência inigualável, que nos ensinou o poder da fé, do respeito, da tolerância e da gentileza entre as pessoas que se reconhecem simplesmente como seres humanos, independentemente de suas religiões e diferenças.


Dali voltamos pra Yogyakarta e, com o coração apertado, nos despedimos do Rapha e da Manu, com a certeza de que o universo coloca no nosso caminho valiosos anjos de luz. Eles são dois deles.


Seguimos pra Bali, onde visitamos a Green School, uma escola totalmente construída de bambu e que adota um currículo inovador e pautado na relação da criança consigo mesma, com o próximo e com a natureza.



O espaço é encantador, os prédios são lindos e tudo remete à a sensação de que o aluno participa ativamente da construção da escola e do seu aprendizado. Sem dúvida alguma a Green School traz um modelo de educação apaixonante e bastante consciente. Só lamentamos que ainda não seja dada uma prioridade absoluta para crianças locais de baixa renda, como havíamos concluído pelas pesquisas que fizemos anteriormente à visita, pois menos de 10% dos alunos são bolsistas indonésios. A maioria restante são estrangeiros que pagam uma mensalidade alta para a realidade do país, que apresenta um grau altíssimo de desigualdade social e falta de acesso a serviços públicos de qualidade.



De qualquer forma, o propósito de formar “líderes verdes”, como eles mesmos dizem, mais conscientes para as próximas gerações parece estar sendo cumprido com excelência e eu espero que esses próprios líderes se encarreguem de estender essa filosofia de educação e aprendizado àqueles que não tiveram o privilégio de poder pagar por isso.

Por tudo isso a Indonésia preencheu nosso coração com uma avalanche de esperança na humanidade, o que só foi possível porque conhecemos pessoas verdadeiras, puras e genuinamente interessadas em construir uma sociedade melhor, começando por elas mesmas.

Obrigada aos nossos amigos de alma, Rapha e Manu, e à toda a equipe vibrante e competente da ViaVia Jogja, que nos mostraram que pra fazer diferente, basta a roupa do corpo e a vontade de mudar.


Gabi.

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