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Reflexão #9 - Você se conhece e se importa?



Dentre as infinitas conclusões que tiro dos aprendizados dessa viagem, o critério de felicidade de cada um é o que mais martela meu pensamento.


O que nos dá alegria, nos motiva a ir atrás de algo e fazer o impossível para acontecer, nos torna indivíduos únicos e não existe privilégio mais precioso que esse. Até ai acho que fica claro que cada um busca realizar os seus sonhos e faz o que dá prazer pelo simples livre arbítrio de gostar, mas entender o porquê de cada um desses gostos é uma pergunta bem difícil. Primeiro porque nem nos perguntamos e segundo porque é muito mais fácil aceitarmos o que os outros dizem que é bom para relaxarmos na zona de conforto.


Mas e se pararmos para pensar por um minuto antes de cada ato que fazemos?


Parece complicado demais, mas pensar porque você quer ver aquilo na televisão, porque vai encontrar certas pessoas ou porque tem que fazer aquele trabalho por dez horas diárias pode ser bastante fácil. Não é que cada passo precisa de uma análise prévia profunda com um relatório enviado por email para todos os neurônios da consciência, mas que por amor próprio você tenha consciência dos porquês da sua vida. Se pensarmos bem é até fundamental refletir por qual motivação você investe horas do seu tempo, finito e exclusivo, em algo.


Por ser pessoal e intransferível, essa decisão é apenas sua e quem irá viver e colher os frutos de cada ação será você. Porque será que nem por essa auto-recompensa paramos pra nos conhecer?


Um dos motivos, acredito eu, é porque entramos num ciclo social. Sendo parte de uma sociedade onde o sonho é ter sucesso financeiro independentemente da função social que você exerça, perdemos totalmente a noção do nosso papel e da responsabilidade de um pelo outro.


Até porque esse conceito passou a nos incentivar a criar e atrair pessoas para a suas novas ideias de produtos e serviços, as ditas oportunidades, e quem atrai mais gente é o melhor. Hoje, esses melhores são as empresas gigantes, onde milhares de pessoas fazem parte.


Nesse contexto, pensar que devemos refletir sobre cada decisão parece um trabalho milagroso, já que as consequências são intencionalmente escondidas pelo criador (da ideia) pois o êxito financeiro dele depende de conseguir dinheiro vindo de você. Tudo isso é teoricamente “bom” para prosperar a economia e para todos. Não estamos falando apenas de inventar um produto novo, mas também de criar um programa na televisão, um filme ou um serviço diferenciado.


Pensando no passo seguinte, que efeito essa “compra” pode gerar para o mundo e para essa pessoa que está vendendo? É complicado mensurar, mas basta lembrarmos-nos do consumismo global descabido e os maus que ele traz para os recursos finitos do mundo.

Tenho fobia desse consumismo porque reconheço que assim o mundo vai acabar, mas vivenciando a realidade de países bastante desiguais, tenho me deparado com um dilema de querer ajudar mas não querer consumir… Isso porque é muito comum encontrarmos vendedores ambulantes negociando de tudo e no Egito foi o auge, com pessoas bastante insistentes.



Esse tipo de comportamento me afasta deles pois me incomoda, mas ai fico pensando na motivação daquela pessoa ali, naquele segundo, naquele local. É como querer não julgar mesmo ficando de saco cheio de tanta gente em volta, enquanto ele está ali agindo assim apenas para sobreviver respeitando as regras do jogo.


Qual é o ponto? Eu sozinho não resolverei todos os problemas, mas pensei se posso contribuir para soluções agora como ajudar em pequenos atos todos os dias, vivendo o meu presente e ajudando o agora dos outros.


O tempo e o espaço não são matérias, eles não existem, são apenas palavras de referência para organizarmos nosso convívio. O espaço no universo que o corpo ocupa só varia um pouco de tamanho e local, mas durante essa vida será sempre seu. O tempo que usamos para viver passa só uma vez. Esses minutos lendo esse texto já passaram e só existem em memória agora. Sabemos muitíssimo bem que essa vida pode acabar a qualquer momento, mas calma, relaxa e divirta-se.


Tenho teorias sobre o que amenizaria o consumismo em geral, mas o que muda o hoje? O hoje de pessoas que, literalmente, não têm acesso ao básico, nem sempre podem escolher o que comer, onde descansar (a mente e o corpo), entreter-se e ter tempo para amar, ser amado e viver a vida.


Todo esse desabafo vem de meses sendo rodeado por vendedores que não estão trabalhando na rua para trocar de carro de novo, mas para ter onde morar; que estão falando muitas coisas no meu ouvido em idiomas diferentes para pagar a escola dos filhos, mas não para comprar as roupas da nova coleção; que estão parando na minha frente e segurando o meu braço para ter comida na mesa todo dia, mas não para ir jantar no restaurante mais badalado da cidade.



Assim seria justo não ter paciência com eles e até julgá-los malandros? Se eles estão usando estratégias vendedoras assim como as empresas, mesmo sem terem o básico precisam passar um dia todo te bajulando para trocar um produto por uns dólares?


O agora deles pode ser significativamente melhor com uma venda qualquer, enquanto eu prefiro não gastar para preservar economias para um futuro que nem existe ao certo.


Ainda tem a barganha. Por mais que seja natural a negociação, parece que aprendi a fazê-la para poder ficar com mais dinheiro mesmo estando ciente que o outro lado da transação teve e tem menos oportunidades que eu. Uma prova que, por mais que tentemos, existem mecanismos defensivos automáticos inseridos na nossa mente. Isso está errado e a fórmula matemática social para desvendar a troca de dinheiro justa dificilmente existirá, mas hoje está tudo injusto e ainda sou parte ativa disso…


O pior é que os mais vitoriosos e experientes, os milionários, que deveriam dar o exemplo, apenas acumulam cada vez mais. De onde vem esse dinheiro? De nós. Que sentido faz isso?

Não tenho a solução, apenas compartilhando quão fácil é ser injusto.


Sobre comércio que temos vivido aqui, passei por duas situações verdadeiramente chocantes no Egito. A primeira foi de barco pelo rio Nilo. Enquanto apreciávamos a bela paisagem no deck do barco avistei um pequeno barco logo a frente que parecia estar prestes a colidir. De repente, em questão de segundos, vejo que os meninos no barquinho tinham uma corda nas mãos e a amarraram ao barco grande que estava em velocidade constante. Só não deu medo de pirata porque estávamos muito próximos à margem, mas a curiosidade tomou conta de mim.



No momento seguinte, o que é que os meninos tiram do bolso? Roupas típicas para venda! Acredite, eram ambulantes radicais aquáticos… Fiquei assistindo aquilo perplexo por horas. Eles jogavam as roupas pro barco, negociavam o preço no grito e para fechar o passageiro jogava o dinheiro de volta. Ficou claro que não existem limites para inovar oportunidades de ganhar a vida.


A segunda ocasião foi ainda mais forte e senti um aperto no coração. Depois de viajar por três horas pelo deserto do Saara com conforto, segurança e comida, chegamos ao vilarejo de Núbia.

A Gabi perguntou o preço de uma bolsinha (apenas pesquisar ali é quase uma oferta de leilão) e mesmo sem ter mais a intenção de comprar o senhor nos seguiu até o carro. Dos três dólares iniciais que disse, chegou a oferecer duas bolsas por um dólar e quase implorar para comprarmos. Dissemos não e fomos embora, porque realmente não queríamos.


Assim que o carro saiu, notei uma feição de tristeza do senhor guardando as bolsinhas de volta na sacola, demonstrando sua decepção por não conseguir realizar uma venda. Estamos falando de um dólar. O que para nós seria um valor insignificante (gratidão), seria de grande valor para ele, que parecia ter uma vida sofrida num país difícil. Mas ainda assim só preferimos não comprar.



Deve ser a força da razão dominando o coração, mesmo estando aqui tentando se entregar ao máximo. Isso evidencia o quanto devemos nos perguntar sobre o que aprendemos nesse modelo social de hoje e se está certo!


Por mais que pareça uma situação cotidiana ínfima, me senti um egoísta socialmente irresponsável, exercendo meus “direitos”. Essa é a vida me ensinando.


A moral dessa responsabilidade está na consciência de cada um, mas para entendê-la acredito que precisamos parar. Parar pra que? Pra tomar vergonha na cara e se importar. Dar um pouquinho de si apenas para pensar como é a vida de cada um que está ao nosso redor e quem precisa mais, do que e porque. Isso pode ser desde a discussão sobre o aumento salarial da empregada, até olhar o garçom nos olhos para agradecer uma gentileza.


Eu tomei esse texto todo pra compartilhar como eu errei e aprendi. Se você quiser, tente fazer esse exercício com você.


Felipe.

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