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Reflexão #10 - Entre ricos e pobres, salvam-se os lúcidos



Há algum tempo venho sendo instigada a escrever sobre isso. Pelas coisas que leio e escuto, sejam elas dirigidas a mim ou não.


Esse duelo é antigo, o velho maniqueísmo conhecido, que insiste em dividir gordo/magro, bem/mal, esquerda/direita e por ai vai. Curiosamente, parece que somos sempre induzidos a escolher uma das pontas e quem decide pelo meio, quase que buscando uma coerência e um equilíbrio (que poucos entendem), corre sérios riscos de ser mal interpretado.


Eu sou parte dessa turma do meião e apesar de estar me sentindo um pouco solitária, guardo a sensação que existe mais um tanto de incompreendidos por ai.


Esse meio não é estar em cima do muro. É simplesmente não compactuar com nenhuma das pontas que já se mostraram ineficientes pro país, tentando extrair de cada apenas o que restou de bom (se é que restou algo). É não aceitar menosprezar o colega que pensa diferente de mim e é ser intolerante a quem acha que se conquista algo positivo com ações e discursos pautados no ódio, na segregação e na superficialidade.


Estou infeliz com o meu país. Eu gosto de dizer MEU país, porque isso me lembra de que tenho total responsabilidade por ele e minhas ações e omissões estão sendo, positiva ou negativamente, contabilizadas.


Não é de hoje, nem de outubro passado. É desde quando eu me dei conta de que algo muito estranho tomou conta da gente. Eu ainda não me dou o direito de falar sobre economia e política, pelo simples fato de reconhecer que por mais empenhada que eu esteja nesses estudos, ainda tenho um longo caminho a percorrer.


Mas eu me sinto à vontade para falar sobre pessoas e é isso que eu farei aqui.



Venho observando a formação de duas torcidas. Opostas, claro, como o figurino manda. O estádio vai lotando gradativamente, mas teve uma pausa na copa do mundo pra todo mundo confraternizar, se abraçar, postar foto com a mesma camisa e chorar durante o hino nacional. Depois disso as torcidas voltaram a encorpar, até que houve outra pausa pra todo mundo curtir o carnaval, se apropriar das ruas e mostrar a alegria que só a gente sabe. Ai acabaram a copa e o carnaval, que curiosamente são eventos notadamente impregnados de corrupção, e todo mundo lembrou que tem um país gritando por socorro há anos. Cadê a coalizão da torcida que se encanta pelo mesmo propósito?


Eu ainda não sei de que torcida eu sou. Na verdade, eu sei que não sou de nenhuma delas, mas hoje em dia, com tantos críticos disponíveis para uma rápida fragmentação do texto ou até mesmo uma interpretação distorcida do que se pretende dizer, eu posso acabar sendo classificada de uma, de outra, das duas ou posso simplesmente ter a minha opinião desqualificada por gostar de Chaves. A lógica irracional dos analistas do mundo virtual….


Há quem diga que eu sou coxinha, afinal sou branca, estudei em escola e faculdade particulares e me dei ao luxo de comprometer minha poupança investindo em um projeto que eu acredito. Há quem diga que eu sou esquerda caviar, já que trabalho com desenvolvimento social, desejo um país menos desigual, mas não moro na favela. E há quem me julgue de esquerda pelo simples fato de eu relembrar incansavelmente que o bolsa família (que pra quem não sabe, felizmente nasceu no governo do Fernando Henrique) é uma das políticas públicas mais eficazes de todos os tempos, quer você queira ou não.


Eu perderia horas explicando porque o governo da Dilma me desagrada e porque ela, como mulher e líder, não me inspirou em absolutamente nada. Também perderia mais um bom tempo contando o porquê do Aécio e seu discurso não terem me convencido. Mais outras tantas horas tentando entender em que momento o Geraldo Alckmin se esqueceu de controlar a torneira e o que leva um tal sr. Jair Bolsonaro a se colocar vergonhosamente contra direitos humanos fundamentais.


Se não bastasse, muitas das horas acima eu também gastaria tentando compreender o que se passa na cabeça de quem faz comentários agressivos e violentos na internet e de formadores de opinião que inflamam a população com seus discursos de ódio, de quem defende a volta da ditadura militar, quem carrega uma faixa dizendo “basta de Paulo Freire”, quem continua xingando mulher de vaca, quem acha que beneficiário do bolsa família é tudo malandro e acha proibido moradores de prédios com varanda se manifestarem.



Devo confessar que pensar sobre tudo isso me desanima. E muito. Isso porque eu ainda nem entrei na discussão absurda sobre a redução da maioridade penal e proibição de adoção de crianças por casais homoafetivos. Esses dois temas merecem um post especial convidando os partidários dessas ideias a levantarem de seus sofás e visitarem de perto a realidade de jovens e crianças que vivem na favela, em abrigos ou orfanatos. Depois que fizerem isso estarei aberta a discussões sobre o tema.


Soube que no último dia 15 fomos mais de um milhão pras ruas. Cada um empunhando uma ideia, uma opinião, um sonho e uma justificativa, mas todos juntos contra a velha corrupção. Vi fotos e relatos de gente emocionada, esperançosa, orgulhosa e combatente. Mas também vi quem achou que fosse mais um bloquinho de carnaval da Vila Madalena.


No dia seguinte li uma reportagem que repetia o novo slogan do que deveria ser nossa obrigação como cidadãos: o “Gigante” acordou. Eu espero que tenha acordado mesmo e não seja só mais uma daquelas manhãs de segunda-feira, em que todo mundo acorda, se veste no escuro e espera chegar o final de semana.


Manifestar-se é fundamental. É o exercício pleno da democracia e é um instrumento poderoso para se fazer ouvir onde não há muita atenção. Mas é preciso saber o que gritar, certo? Me corta o coração ver gente que não sabe como funciona um processo de impeachment, que acha que a Dilma é a culpada por todos os nossos problemas e reforça a polarização de classes, de partidos e de país. Me corta o coração ver que temas fundamentais relacionados ao meio ambiente e direitos humanos parecem não dar muito ibope. E me corta o coração gente que fala muito e faz quase nada.


Poxa, é demais pedir por consciência? Não tô falando de estar consciente do rumo lamentável que deixamos o nosso país seguir. Isso é quase que unânime e só não enxerga quem é teimoso.

Eu tô falando de consciência humana, social e moral. E isso independe da cor da sua pele, de onde você mora, de que panela você usa e de quanto dinheiro você tem na carteira. Ter a consciência sobre a qual eu tô falando depende, única e exclusivamente, do seu senso de ética, comunidade, responsabilidade e vergonha na cara.


Ir pra rua é um começo? Sim!!! Mas não se isente de estender sua manifestação para além do dia 15 e se policiar para não ser autor de faltas graves. Exercer nosso senso cívico e moral é um ótimo começo e isso se faz no dia a dia. Por civilidade e moralidade entenda um cidadão ciente da sua participação na co-construção do bairro, cidade, país e que não faz apologia a NENHUMA forma de discriminação. Sua moral está exclusivamente relacionada às virtudes do seu caráter – ou à falta delas.



Eu tô cansada de ler e ouvir as mais diversas desculpas pra justificar o injustificável. E é por isso que acho que temos que lavar a roupa suja pra seguir em frente. São tantas coisas que eu queria pontuar aqui… Mas vou me ater as que soam mais absurdas pra mim.


Primeiro, tá na hora de descriminalizar a riqueza honesta, né? Parar de achar que quem tem dinheiro é sempre do mal e olha a todos por cima de sua varanda gourmet, mesmo que ela esteja sendo paga em trinta anos de prestações e muito trabalho duro. Dinheiro não é ofensa pra ninguém. Ofensa pode ser o que você faz com ele e ai você não precisa ter muito…


Segundo, até quando vai durar o mito de que todos temos oportunidades equivalentes e “vence na vida” quem se esforça mais? Se você teve a chance de estudar em uma boa escola e completar o ensino superior, acredite amigo, você largou muuuuito na frente. O Brasil foi o maior país escravista do mundo e isso nos deixou consequências históricas e sociais bastante profundas. A violência urbana é um sintoma disso e movimentos sociais e políticos que geram oportunidades de inclusão e igualdade a quem não foi tão sortudo, são capazes de grandes mudanças.


Terceiro, a gente ainda tem muito que aprender. Principalmente aqueles que perdem momentos preciosos da vida escrevendo textos, publicando opiniões, corrompendo ou deixando corromper-se e articulando movimentos com o intuito de fragilizar as pessoas – principalmente aquelas que já são socialmente fragilizadas. Por favor, a vocês eu peço, parem de escrever sobre a elite branca e os esquerda caviar. Parem de rotular e insinuar conspirações. Parem de reprimir o amor entre pessoas, sejam elas do mesmo sexo ou não. Parem de tratar as pessoas como um bloco de acéfalos e sem coração. Parem de nos mover pelo medo e usem esse poço de criatividade para criar mais soluções, não problemas.


Quarto, e mais importante, a sua ação, por menor que ela seja, conta MUITO. Essa emoção de ir pra rua, entoar o hino e sentir orgulho de ser brasileiro é multiplicada por mil toda vez que você doa seu tempo a um voluntariado, seu dinheiro a uma causa social e seu amor, seu talento e sua coragem para entender e minimizar os reais problemas que a maioria do nosso povo enfrenta diariamente. Praticar a empatia é a minha dica.


Enfim, o que te define não é a cor, o sexo, nem o dinheiro. Mas sim o que você faz deles. Pra quem duvida dessa máxima, coloco no final deste texto o link de organizações brilhantes que têm à frente gente da elite, da quebrada, classe média, negros e brancos. Todos muito diferentes, mas com uma característica comum: eles são lúcidos.


Eles não se prendem a rótulos e não se limitam ao sofá de casa. Eles compartilham da mesma queixa contra o Brasil, mas enquanto tem gente ocupada apontando o dedo pra panela que você usa ou pra cor vermelha da sua calça, eles estão resgatando, renovando e transformando vidas, cada um a sua maneira. Por incrível que pareça, eles têm famílias, compromissos, pagam contas e recolhem impostos. Só tem menos tempo pra mimimi.


Outro dia li um livro de um mestre hindu que dizia que “assim como o calor ou a fumaça, a consciência é um sintoma da alma. Então, estar consciente prova que a alma está presente.”

E como ter a alma presente e estar consciente? Mais do que impeachment, reforma política, promessa pra Santo Antônio e oferenda pra Iemanjá, o que traz consciência é a educação. É aprender a pensar, questionar a si e o outro e conseguir enxergar o mundo com a clareza e a liberdade que só os SEUS olhos veem. É parar de decorar o que se escuta pra depois registrar na prova, no facebook, na vida. É co-criar o conhecimento se sentindo parte ativa do maior legado que a gente pode construir: sabedoria. É se redescobrir como ser humano, cidadão e responsável por toda ação ou omissão praticada. É reconhecer a existência do outro e tratar a si – e a todos – com dignidade.


Afinal, como já diria o mestre Paulo Freire “quando a educação não é libertadora, o sonho do oprimido é ser o opressor.”



Estar consciente é SER em um mundo dividido entre TER e não TER.


Hoje, eu quase desisti de um antigo sonho: aquele de virar ministra do desenvolvimento social. Justo eu que sei que política se faz todo dia – por todos e pra todos, que a corrupção persiste nos pequenos atos e que temos que ser a mudança que queremos pro mundo.


Quase desisti por perceber que pra realizar esse sonho a minha consciência não vai me deixar aceitar tudo sem antes me questionar e ficar cega quando meus planos derem errado. Também não vai me deixar fazer alianças por interesses pessoais e me omitir de me posicionar com medo de me excluírem do facebook. Não vai me deixar julgar, menosprezar ou subestimar tudo o que for diferente e estranho a minha opinião e nem me permitir dar passos maiores que a minha perna – e o meu coração.


Ai eu me dei conta que enquanto deixo o meu sonho na geladeira, sigo na esperança de um país transformado pelo povo, não por partidos. Um Brasil de uma elite pensadora, não econômica. Um Brasil de um povo autocrítico, conhecedor dos seus direitos e elegante nas discussões. Um país de gente rica em consciência e lucidez. Pobre em intolerâncias e incoerências. Um Brasil em que se pode acertar, errar e mudar de opinião. Uma democracia baseada na liberdade, na dignidade, na igualdade e no respeito. Não no medo, na ignorância, na violência e na opressão.


Quando isso acontecer, a gente não vai ter mais torcida de cá, nem torcida de lá. Vamos estar todos no meio, cada um convicto e certo da bandeira que levanta, caminhando no mesmo sentido: Pra frente.


Quando isso acontecer, ai sim, eu posso voltar a sonhar o meu sonho com lucidez.


E sem medo que o meu sonho te impeça de sonhar o seu também.


Para saber mais e botar a mão na massa:


Gabi.

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