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Reflexão #14 - Não, você não precisa largar tudo



Cada vez mais tenho lido notícias de pessoas que “largaram tudo” e resolveram seguir um caminho diferente, viajar por ai ou simplesmente fugir do lugar comum. Inclusive, quando falam do Think Twice Brasil, a descrição quase sempre começa com “casal larga tudo para viajar o mundo e …”. E ai a nossa missão passa quase despercebida pelos leitores.


Há quem morra de preguiça dessa história de “largar tudo” e acha que o povo que faz isso não passa de um bando de inconsequentes e filhinhos de papai. Há quem julgue o ato como heróico e destemido e há quem simplesmente ache que toda decisão honesta é válida. Por decisão honesta eu entendo ser aquela que foi ponderada, repensada e planejada de acordo com os valores e princípios do autor da história. Eu sou desse último time e por isso resolvi escrever para desmistificar essa onda de que “largar tudo e viajar o mundo” é o antídoto para a felicidade global.


Pra mim, a verdade é que a gente não precisa largar tudo (o que é tudo?) pra fazer algo transformador, nem ir muito longe de casa pra isso.


Largue só aquilo que não te serve mais. A mágoa que te fecha a garganta, os hábitos que te trazem angústia e sofrimento, o apego ao consumo e à competição, a baixa auto estima, a preguiça de tentar algo novo, o medo de não dar certo, não dar conta e, principalmente, o costume de não enxergar nada além de si. Largue o “amor” que te faz mal, o trabalho que não te realiza, o sentimento de culpa e a mania de sempre esperar que alguém resolva por você. Isso basta pra trazer novos ares pra vida e dar fôlego pra escolher novos caminhos.


Talvez esses sejam alguns dos pontos comuns entre os viajantes que conheço. Não só os que decidiram sair pelo mundo, mas também aqueles que mudaram de emprego, de carreira, de casa, de sonhos. Escolheram viver mais simples, com muito menos do que se tem e se sentir contente com isso. O contentamento é a sensação de que você está exatamente aonde deveria estar e tem tudo aquilo que precisa para o momento. Viajar é sentir isso com bastante intensidade e ao contrário do que muita gente pensa, isso não está relacionado à quantidade de dinheiro que você tem, mas sim com o que você pretende fazer com ela.



Além disso, procurei o significado da palavra viagem e apareceu “caminho que se percorre para chegar a outro lugar afastado”. Me pareceu infinitamente mais simples e praticável do que o conceito que costumamos relacionar a ela.


Dá pra viajar na própria rua, no bairro ao lado, no outro lado da cidade. A viagem não se faz pela distância que você percorre, mas pelos aprendizados e experiências que você tira dela. O que faz de uma viagem especial é a nossa capacidade de enxergar e sentir além do que estamos acostumados, por isso não é preciso ir longe pra arriscar viver assim.


Refletir sobre o que gostaríamos de mudar na gente e na nossa vida, também ajuda bastante a definir o que precisa ser largado e pra qual destino podemos seguir. Atravessar o oceano pode ajudar muito nessa tarefa, mas você não precisa esperar esse dia pra começar uma mudança.



“Largar tudo” sem ponderar o que você é, o que pretende ser e aonde quer chegar, me soa bastante evasivo e até um pouco inconsequente. É tipo aqueles conselhos vindos da pessoa que parece tentar te ajudar, sem sequer conhecer o seu problema.


“Viajar o mundo” segue pelo mesmo caminho… não dá pra esperar que todos aspirem as mesmas coisas, sem considerar a história, as marcas e as vontades de cada um. A verdade é que isso acontece com tudo… é difícil estabelecer nossas prioridades em uma sociedade que faz questão de estabelecer rótulos e padrões de comportamento e consumo, que quase forçam as pessoas a se moldarem a algum deles como se isso fosse a única forma de se sentirem parte de algo.


Viajar está quase se tornando isso, uma obrigação de consumo, quando na verdade, por essência, é simplesmente caminhar um pouquinho além do habitual e, quase sempre, mais longe da zona de conforto.


E acho que é exatamente disso, sair da zona de conforto, que se trata o “largou tudo pra viajar o mundo”. Por isso mesmo eu digo que têm outras inúmeras formas de fazer isso, ainda que a viagem seja uma das mais especiais.


Quando viajamos viramos uma chavinha na cabeça que aparentemente nos permite fazer tudo aquilo que não fazemos no dia a dia. Nossos olhos ficam atentos para enxergar a paisagem e sorrimos com mais facilidade. Experimentamos a comida local, cumprimentamos desconhecidos na rua e ouvimos atentos a história dos lugares.



Ai eu te pergunto, se tudo isso parece tão natural, porquê não dá pra viver todo dia assim? Simplesmente porque nossas escolhas e condições na vida real nem sempre refletem aquilo que gostaríamos e assim acabamos prestando mais atenção naquilo que não temos ainda do que em tudo aquilo que já podemos aproveitar.


Mas e se ao invés de nos ocuparmos tanto em olhar somente para os problemas ou simplesmente desejarmos algo que nem sabemos ao certo o porquê, direcionássemos toda essa energia pra entender o que precisa ser deixado definitivamente de fora da mala da viagem que você pretende fazer.


Uma viagem que vai te custar o preço alto de ser honesto com você mesmo e com quem convive a sua volta.


Chacoalhar um pouco a sua consciência e tentar se livrar dos tantos estereótipos, preconceitos e superficialidades que inundam nossas relações, opiniões e desejos, pode ser um começo valioso pra colocar as coisas no eixo. Viva simples, compre menos, ame verdadeiramente e seja grato pelo que se tem – ainda que pareça pouco.



Em seguida, tente reparar mais no mundo a sua volta. Olhar as pessoas no olho, se interessar pelo que elas têm a dizer e falar menos de você. Ouça atento, esteja presente e evite se perder preparando uma resposta mental para o que a pessoa está dizendo. A dica aqui é focar naquelas pessoas que não fazem parte do seu círculo de amizades e que não vão te oferecer nenhum tipo de benefício financeiro ou social.


E como a principal viagem que qualquer ser humano pode fazer: coloque-se a serviço do próximo. Não há nada mais esclarecedor que isso e uma boa forma de testar é dedicando parte do seu TEMPO a uma causa, seja ela qual for.


Enfim, traga novos sonhos pra sua vida e deixe pra trás aquilo que tem atrapalhado a sua caminhada.


Por isso, pra você que está inquieto e angustiado esperando uma mudança, eu te digo: Não, você não precisa largar tudo e viajar por ai.


Largue o que não te cabe mais e viaje pra dentro de você e pra perto de quem você quer se tornar. E se depois disso você ainda quiser viajar o mundo, pode acreditar, o universo já vai ter feito as suas malas.


Gabi.

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